Neste domingo, 6 de outubro de 2024, Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) viabilizou a votação de 655 presos provisórios em 12 unidades prisionais do estado — um gesto concreto de inclusão democrática, mas que revela profundas desigualdades no acesso ao voto no Brasil. A operação, coordenada com a Secretaria da Justiça do Espírito Santo (Sejus-ES), acontece em centros de detenção de cidades como Colatina, Serra, Guarapari e São Mateus, onde urnas eletrônicas foram instaladas com total apoio logístico do TSE. É um dia raro: pessoas privadas de liberdade, mas ainda inocentes na lei, exercem um direito que muitos dão por garantido — e que, em outros estados, simplesmente não existe.
Um direito constitucional, mas com barreiras práticas
A Constituição Federal de 1988 garante o voto a todos os cidadãos maiores de 18 anos, exceto analfabetos e condenados criminalmente com sentença transitada em julgado. Ou seja: quem ainda aguarda julgamento — como os 655 presos no Espírito Santo — tem pleno direito de votar. Mas aqui está o paradoxo: entre os 7.296 internos sob custódia da Sejus-ES, apenas 655 estão aptos. Por quê? Porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exige, na Resolução nº 23.736/2024, um mínimo de 20 eleitores por seção — presos, servidores ou mesários voluntários. Sem esse número, a seção não é aberta. É uma regra técnica que, na prática, exclui milhares.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o país tem cerca de 209 mil presos provisórios. Mais de 200 mil não votarão nestas eleições — não por escolha, mas por falta de infraestrutura ou de número suficiente de eleitores em cada unidade. Em São Paulo, por exemplo, dos 2.562 presos provisórios registrados, apenas 625 foram habilitados para votar no segundo turno. Em Diadema, Ribeirão Preto e Taubaté, a falta de 20 eleitores fez com que o TSE orientasse a justificativa eleitoral, em vez da votação. É como se o direito existisse, mas só para quem estivesse no lugar certo.
Desigualdade geográfica: seis estados e o DF não oferecem voto prisional
Enquanto o Espírito Santo, São Paulo e Bahia montam seções eleitorais dentro de presídios, seis estados — Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins — e o Distrito Federal não oferecem esse serviço. Nenhum voto. Nenhuma urna. Nenhuma seção. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) anunciou, em novembro de 2025, um projeto experimental chamado "Democracia Além das Grades", que pretende incluir presos provisórios e adolescentes em unidades socioeducativas nas eleições de 2026. Mas com uma condição: exclusão de presos ligados a facções criminosas. Um filtro moral, não jurídico. Um sinal de que, mesmo quando se quer avançar, o medo ainda guia as decisões.
Isso não é apenas uma falha logística. É uma falha ética. A prisão provisória não é punição — é espera. E nessa espera, o Estado tem a obrigação de preservar direitos civis. Não apenas o direito à vida, à saúde, à alimentação. Mas também o direito de escolher quem vai governar. Ainda que a pessoa esteja atrás das grades, ela vive na sociedade. Ela paga impostos. Ela tem família. Ela é afetada pelas políticas públicas que serão decididas em outubro.
Como funciona a votação dentro dos presídios?
Em cada unidade prisional com seção eleitoral, são instaladas duas urnas eletrônicas, com mesários treinados — muitos deles servidores da própria unidade, que também votam ali. O processo é o mesmo do exterior: identificação, assinatura, voto, recolhimento da cédula. A diferença? A segurança é reforçada. Não há transporte externo. Os presos votam dentro das dependências da unidade, sob supervisão de agentes penitenciários e representantes do TRE-ES. A logística é complexa, mas viável. O que falta, muitas vezes, é vontade política.
No Espírito Santo, a parceria entre Sejus-ES e TRE-ES é um modelo. Desde 2010, quando o TSE regulamentou a votação prisional, o estado tem sido um dos mais consistentes na implementação. Mas mesmo aqui, apenas 9% dos presos provisórios conseguem votar. O que acontece com os outros 91%? Ninguém os chama para a urna. Eles não são esquecidos — são ignorados.
O que vem depois das eleições?
As eleições de 2024 não vão mudar a lei. Mas podem mudar a percepção. O fato de 655 pessoas votarem em presídios do Espírito Santo é um testemunho silencioso: a democracia não se mede só pelo número de votos, mas por quem ela inclui. O próximo passo? Reformar a Resolução nº 23.736/2024. Em vez de exigir 20 eleitores por seção, permitir que presos provisórios votem em seções itinerantes, ou mesmo por meio de voto por correspondência, como já ocorre em alguns países da Europa. A tecnologia existe. A vontade, ainda não.
Enquanto isso, o Tribunal Superior Eleitoral segue recebendo pedidos de implementação. E o Espírito Santo, mesmo com suas limitações, segue como exemplo. Não perfeito. Mas presente.
Frequently Asked Questions
Por que apenas 655 dos 7.296 presos provisórios no Espírito Santo podem votar?
Porque o Tribunal Superior Eleitoral exige, por lei, um mínimo de 20 eleitores por seção — incluindo presos, servidores ou mesários voluntários. Muitas unidades não atingem esse número, mesmo tendo centenas de internos. Apenas 12 das mais de 20 unidades do estado conseguiram reunir o mínimo necessário, o que reduz drasticamente o número de eleitores aptos.
Quais estados não permitem votação de presos provisórios nas eleições de 2024?
Seis estados — Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins — além do Distrito Federal, não oferecem seções eleitorais em suas unidades prisionais. Isso significa que, mesmo que os presos provisórios tenham direito legal ao voto, não há estrutura para exercê-lo. O TSE não obriga os tribunais regionais a implementar o serviço, apenas regulamenta como fazer, caso optem.
O que é o projeto "Democracia Além das Grades" no Rio de Janeiro?
Lançado pelo TRE-RJ em novembro de 2025, o projeto pretende permitir que presos provisórios e adolescentes em unidades socioeducativas votem nas eleições de 2026, de forma experimental. Mas exclui unidades com presos ligados a facções criminosas — uma decisão polêmica que introduz um critério de risco, não jurídico, na concessão de direitos civis.
Por que o voto de presos provisórios é tão importante?
Porque a prisão provisória não é condenação. Essas pessoas ainda são consideradas inocentes pela lei. Negar-lhes o voto é negar sua cidadania. Elas vivem sob as decisões dos governos eleitos: saúde, segurança, alimentação, direitos. O voto é o único mecanismo que permite que elas influenciem essas políticas — mesmo que estejam atrás das grades.
O que o Espírito Santo fez diferente para conseguir votar 655 presos?
O estado mantém uma parceria sólida entre a Sejus-ES e o TRE-ES desde 2010, com treinamento contínuo de servidores e mapeamento regular dos presos aptos. Além disso, priorizou unidades com maior fluxo de internos e mobilizou mesários internos, o que aumentou a adesão. É um modelo de gestão, não de sorte — e que pode ser replicado.
Há riscos de fraude ou manipulação no voto prisional?
Não há evidência de fraude sistêmica. As urnas são seladas, fiscalizadas por servidores do TRE e por membros da Defensoria Pública. O voto é secreto, e os presos não têm acesso a celulares ou comunicação externa durante o processo. O maior risco é a pressão psicológica — mas isso ocorre em qualquer eleição, e é combatido com treinamento de mesários e sigilo absoluto da cédula.