Explosão em depósito ilegal de fogos mata homem com histórico de soltar balões no Tatuapé

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Explosão em depósito ilegal de fogos mata homem com histórico de soltar balões no Tatuapé
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Uma explosão devastadora em um depósito irregular de fogos de artifício no Tatuapé, zona leste de São Paulo, matou Adir de Oliveira Mariano, de 46 anos, na noite de 13 de novembro de 2025. Seu corpo, carbonizado, foi encontrado entre os escombros da casa onde ele vivia há cerca de dois meses — e onde, segundo a polícia, armazenava toneladas de materiais explosivos sem autorização da prefeitura. A força da detonação foi tão intensa que foi ouvida a mais de um quilômetro de distância, derrubou paredes, rachou lajes e obrigou o interditamento temporário de 23 imóveis vizinhos. Dez pessoas ficaram feridas, mas nenhuma em estado grave. O que parecia um acidente doméstico comum se revelou um caso de negligência criminosa, com raízes em um passado de atividades ilegais ligadas a balões e fogos.

Um homem com passado de risco

Adir de Oliveira Mariano não era um estranho no bairro — era um estranho conhecido. Em 2011, foi acusado pela Justiça de São Paulo de integrar um grupo de baloeiros em São José dos Campos, envolvido em soltura ilegal de balões de papel em áreas urbanas. O caso foi arquivado em 2015 por falta de provas, mas a marca permaneceu nos arquivos da polícia. "Ele já tinha passagem. Não era um cara novo nisso", afirmou o Delegado Filipe Soares, responsável pelas investigações. A polícia acredita que, após anos de silêncio, ele voltou à prática — só que desta vez, em escala muito maior: não mais soltando balões, mas armazenando fogos de artifício como se fosse um pequeno arsenal.

Quem mora perto da casa no Tatuapé diz que nunca viu ninguém entrando ou saindo da propriedade. "Era um casal, mas só o homem aparecia. A mulher nunca foi vista", contou uma vizinha ao Cidade Alerta. A casa, alugada por parentes distantes, era usada como moradia, mas também como depósito. "Ninguém sabia o que tinha lá dentro. A gente achava que era só um armário cheio de caixas", disse outro morador, ainda com o rosto pálido, enquanto aguardava a liberação da sua casa.

Quem mais está envolvido?

A polícia não acredita que Adir agia sozinho. "Se ele tinha isso tudo, não foi só ele que comprou. Não foi só ele que transportou. Não foi só ele que montou", explicou o delegado. As investigações apontam para uma rede de fornecedores regionais, possivelmente ligados a fabricantes informais de fogos em cidades do interior de São Paulo. Um dos primeiros suspeitos levados para depoimento foi um homem de 58 anos, que trabalhava como motorista de carga e tinha feito entregas na residência nos últimos 30 dias. Outro envolvido, ainda não identificado publicamente, é um comerciante de material pirotécnico que já foi autuado pela Receita Federal em 2022 por importação irregular de componentes químicos.

Os artefatos encontrados no local incluíam fogos de artifício de grande porte, bombas de efeito sonoro e até cartuchos de pólvora industrial — todos com rótulos falsificados e sem selo de segurança da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. "Isso aqui não é feito em casa. Isso é feito em fábricas clandestinas, com produtos proibidos no Brasil", afirmou um perito da Polícia Técnico-Científica ao Balanço Geral.

Os danos e o silêncio dos moradores

Os 23 imóveis interditados estão em uma área de 150 metros ao redor da casa da explosão. Alguns tiveram paredes rachadas, outros perderam tetos e janelas. Um prédio de quatro andares, onde moram 12 famílias, foi considerado estruturalmente instável. Moradores relatam que não conseguem voltar porque não há laudo técnico definitivo, nem apoio da prefeitura. "Nós perdemos tudo. Roupas, documentos, fotos da minha filha recém-nascida. E ninguém nos disse quando vamos voltar", contou uma mulher de 34 anos, que levou seu bebê de seis meses para a casa de parentes.

A prefeitura de São Paulo afirmou que já abriu um processo administrativo contra o proprietário do imóvel — mas o imóvel era alugado. "Quem é responsável? O locador? O locatário? O intermediário? Ainda não sabemos", disse uma assessora da Secretaria de Habitação. Enquanto isso, famílias dormem em abrigos temporários, e crianças não voltam às escolas. A ausência de um plano de recuperação imediata gerou revolta nas redes sociais, com a hashtag #TatuapéEmChamas viralizando.

Por que isso aconteceu de novo?

O caso lembra a explosão de 2018 em Guarulhos, que matou cinco pessoas e destruiu uma escola. Na época, o mesmo padrão: depósito ilegal, histórico de balões, falta de fiscalização. Desde então, a prefeitura de São Paulo prometeu aumentar as operações de combate a fábricas clandestinas — mas os números mostram o contrário. Em 2024, foram apreendidos apenas 172 quilos de fogos em operações na zona leste. Em 2019, eram 840 quilos. A fiscalização caiu 80% em cinco anos.

"A gente não combate o problema. A gente só aparece depois que explodiu", disse o ex-delegado da Polícia Civil, Carlos Mendes, que atuou em casos similares entre 2010 e 2017. "O negócio de fogos é lucrativo, e a punição é leve. Enquanto a pena for só multa, vai continuar. E as pessoas vão morrer."

O que vem a seguir?

A Polícia Civil já solicitou a abertura de uma operação conjunta com a Receita Federal e o Exército Brasileiro — que tem expertise em desativar artefatos pirotécnicos. A previsão é que, nos próximos dias, sejam feitas buscas em outros pontos da zona leste e em municípios vizinhos, como Mauá e São Mateus. Além disso, o Ministério Público do Estado de São Paulo deve investigar possíveis omissões da vigilância sanitária e da secretaria de segurança.

Enquanto isso, o corpo de Adir de Oliveira Mariano aguarda identificação final pelos familiares. A esposa, que não foi localizada até a publicação desta reportagem, pode ser ouvida como testemunha. Se for comprovado que ela sabia dos explosivos, poderá ser acusada de coautoria.

Frequently Asked Questions

Por que Adir de Oliveira Mariano não foi preso antes, se já tinha histórico de soltar balões?

Apesar de ter sido acusado em 2011 por integrar um grupo de baloeiros em São José dos Campos, ele foi absolvido em 2015 por falta de provas concretas. Na época, não havia evidências suficientes para comprovar que ele era o líder ou que os balões causavam risco direto. Isso criou uma brecha legal: ele não tinha condenação, apenas uma suspeita histórica. Sem um registro criminal, as autoridades não tinham base para monitorá-lo ou impedir sua aquisição de materiais pirotécnicos.

Quantos fogos de artifício havia no local e qual era o risco real?

Estimativas preliminares da Polícia Técnico-Científica indicam que havia entre 800 e 1.200 quilos de produtos pirotécnicos no depósito — o equivalente a mais de 10 mil fogos de artifício comuns. Muitos eram de grande porte, com potencial de destruição equivalente a um pequeno caminhão de explosivos. O risco não era apenas de incêndio, mas de uma explosão em cadeia, capaz de derrubar prédios inteiros. Por isso, o interditamento de 23 imóveis foi necessário.

Quem é responsável pelos danos aos moradores dos imóveis interditados?

A responsabilidade civil caberá ao proprietário do imóvel, ao locatário (Adir) e, se comprovado, aos fornecedores dos materiais. Mas como Adir morreu, a Justiça precisará investigar se a esposa ou parentes tinham conhecimento da atividade. Até lá, os moradores não recebem indenização. A prefeitura oferece apenas auxílio temporário, mas sem compensação por perdas materiais — o que gerou protestos nas redes sociais.

Existe alguma lei específica que proíbe armazenar fogos em residências?

Sim. A Resolução nº 132/2017 da CETESB e o Código de Postura Municipal de São Paulo proíbem expressamente o armazenamento de fogos de artifício em residências, salvo em locais licenciados e com certificado de segurança. O limite é de 10 kg por estabelecimento autorizado. No caso do Tatuapé, havia mais de 800 kg em um quarto de casa. Isso configura crime ambiental e de risco coletivo, com pena de até 8 anos de prisão — se for comprovada a intenção de comercialização.

Por que a fiscalização não detectou esse depósito antes?

A fiscalização de fogos de artifício no Tatuapé é feita por apenas dois agentes da Secretaria de Segurança, responsáveis por 12 bairros. Além disso, os depósitos ilegais são escondidos em casas comuns, sem placas ou sinais visíveis. Em 2024, foram feitas apenas 17 operações de fiscalização em toda a zona leste — e nenhuma naquela rua. A polícia reconhece que o sistema é reativo, não preventivo. "A gente só vai quando alguém chama a polícia. E ninguém chamou", disse o delegado Soares.

O que os moradores podem fazer enquanto aguardam a liberação de suas casas?

Os moradores interditados podem protocolar pedido de auxílio emergencial na Prefeitura de São Paulo, por meio do site da Secretaria de Habitação. Também podem buscar orientação jurídica gratuita no Procon-SP e na Defensoria Pública. É recomendável registrar fotos dos danos, guardar recibos de despesas com moradia temporária e manter cópias de documentos perdidos. A prefeitura ainda não anunciou prazo para laudos técnicos, mas o prazo legal para avaliação é de 30 dias — e se passar, os moradores podem entrar com ação judicial por omissão.