Itaú Unibanco demite 1.000 após auditoria do trabalho remoto; sindicatos e juristas reagem

alt
Itaú Unibanco demite 1.000 após auditoria do trabalho remoto; sindicatos e juristas reagem
0 Comentários

Um recado duro ao mercado de trabalho: cerca de 1.000 desligamentos em um único dia, motivados por uma revisão de condutas no modelo remoto. O Itaú Unibanco confirmou as demissões, sem justa causa, após uma auditoria interna sobre controle de ponto e produtividade de quem trabalhava fora do escritório. A medida atingiu diferentes áreas, como o Centro de Tecnologia (CT), CEIC e escritórios na Faria Lima, em São Paulo, e reabriu a discussão sobre até onde vai o monitoramento do empregado.

Em nota enviada à imprensa, o banco disse ter encontrado “padrões incompatíveis com seus princípios de confiança”. E reforçou que preserva a cultura da companhia e a relação com clientes e sociedade. Sem detalhar os critérios técnicos, a instituição classificou tudo como gestão responsável. Para quem sai, valem os direitos usuais de uma dispensa sem justa causa, com pagamento das verbas rescisórias previstas em lei.

O que motivou as demissões

O gatilho foi uma revisão ampla sobre o trabalho remoto e o registro de jornada. Empresas costumam olhar dados como acesso a sistemas corporativos, marcações de ponto, uso de VPN, entregas em ferramentas de gestão e presença em reuniões. São indicadores comuns, mas nem sempre lineares. Quem trabalha de casa lida com instabilidade de internet, quedas de energia e imprevistos familiares. Daí a polêmica: tempo “online” nem sempre é sinônimo de produtividade real.

A psicóloga e consultora de RH Ana Beatriz Tartuce chama atenção para o risco de falsos positivos. Ficar ausente por minutos não quer dizer improdutividade. E o efeito colateral do monitoramento, se mal aplicado, é previsível: ansiedade, medo e autocensura. Segundo ela, o clima pesa ainda mais quando a régua é igual para todos, sem considerar contexto, tarefa e complexidade. Em larga escala, isso corrói confiança e engajamento.

Do lado jurídico, o advogado e doutor em Direito Nasser Ahmad Allan, que assessora o Sindicato dos Bancários de Curitiba, destaca um ponto básico de gestão: nem todo profissional se adapta ao home office no mesmo ritmo. Antes do corte, ele defende que a empresa investigue causas de baixa performance, ofereça treinamento e planos de melhoria com metas claras e prazos. Só então, se nada mudar, a demissão entra na mesa. Para ele, dispensar em massa por um único motivo, sem negociação prévia com o movimento sindical, amplifica o problema.

O sindicato critica o formato e o timing. O argumento é simples: 1.000 desligamentos equivalem a algo perto de 1% do quadro total e, por isso, mereciam discussão em mesa nacional. Não é apenas um ato administrativo. É um evento que muda o ambiente de trabalho, mexe com a percepção de segurança de quem fica e afeta reputação de quem sai.

No Brasil, o teletrabalho é regulado desde a reforma trabalhista (CLT, artigos 75-A a 75-E). Empresas podem monitorar, sim, mas precisam respeitar a dignidade e a privacidade do trabalhador. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também se aplica: tem que haver base legal, propósito específico, transparência sobre o que é coletado, retenção pelo tempo necessário e segurança da informação. Em linguagem direta: não é “vale-tudo” digital.

Outro ponto sensível: “sem justa causa” não é sinônimo de “sem questionamentos”. Mesmo quando a dispensa segue o roteiro legal, a motivação comunicada pela empresa pode ser contestada se expuser a honra ou manchar a reputação profissional do empregado. Juristas veem espaço para ações por dano moral quando o discurso institucional cria um carimbo implícito de desconfiança sem individualizar condutas ou permitir ampla defesa.

Há ainda a dimensão coletiva. Em decisões recentes, tribunais têm incentivado o diálogo prévio com sindicatos em casos de desligamentos massivos, especialmente quando há um fator comum. Não é automático nem igual para todos os setores, mas pesa na análise de eventual abuso de direito, boa-fé objetiva e impactos sociais. Sem acordo, o tema costuma parar na Justiça do Trabalho, às vezes com pedidos de reintegração, indenização e abertura de dados de monitoramento.

Para o mercado, a conta é ambígua. Cortar custos parece rápido e eficiente no papel. Na prática, o risco jurídico e o desgaste de imagem podem sair mais caros. Bancos e empresas de tecnologia já vinham ajustando modelos híbridos, investindo em metas por entrega e menos por presença. A decisão do Itaú joga luz no dilema: como cobrar resultados num cenário de trabalho distribuído sem transformar a rotina em vigilância permanente?

O efeito interno também importa. Gestores relatam um “paradoxo da produtividade”: depois de cortes em massa, a equipe que fica trabalha mais, mas com medo, o que reduz criatividade e disposição para assumir riscos. Em áreas de tecnologia e atendimento, isso costuma aparecer na queda de qualidade de código, aumento de retrabalho e rotação mais alta semanas depois.

Em termos práticos, o que seria uma política mais segura para empresas que monitoram trabalho remoto?

  • Definir metas por entregas, com critérios objetivos e aderentes a cada função.
  • Informar por escrito o que é monitorado, por que, por quanto tempo e quem acessa os dados.
  • Oferecer planos de melhoria com feedbacks documentados antes de qualquer desligamento por performance.
  • Cruzar dados de presença com qualidade de entregas, sem usar apenas “tempo online”.
  • Auditar ferramentas de monitoramento para evitar vieses e falsos positivos.
  • Prever exceções: quedas de energia, problemas de internet e contextos pessoais comprovados.

E para quem foi desligado, alguns caminhos costumam ajudar a organizar a defesa:

  • Solicitar, com base na LGPD, o acesso aos dados pessoais usados na apuração (logs, relatórios, critérios).
  • Reunir e-mails, prints de entregas, registros de reuniões e feedbacks que indiquem performance.
  • Procurar o sindicato da categoria para orientação coletiva e eventual mediação.
  • Consultar um advogado trabalhista sobre dano moral e verbas questionáveis.
  • Lembrar dos prazos: em regra, o trabalhador tem até 2 anos após o fim do contrato para entrar com ação, cobrando direitos dos últimos 5 anos.

Reações, dúvidas legais e próximos passos

O banco sustenta que as demissões preservam a cultura e a confiança, pilares históricos do setor financeiro. Só que a base do debate não é apenas ética, é técnica: quais dados apontaram “padrões incompatíveis”? Eles foram checados com os times e líderes? Houve chance real de ajuste antes do corte? Sem transparência, as dúvidas viram litígio.

Do lado das autoridades, dois órgãos podem entrar no radar caso haja denúncias: o Ministério Público do Trabalho, quando há possível impacto coletivo ou prática abusiva, e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), se houver queixas sobre coleta e uso de dados pessoais. Não há decisões concretas sobre este caso no momento, mas empresas do porte do Itaú costumam ter governança pronta para responder a ambos.

Para os sindicatos, o foco será pressionar por mesas de negociação, mapear padrões nas demissões (funções, metas, gestores, regiões) e buscar medidas preventivas para quem permaneceu no quadro. Um acordo coletivo com regras claras de monitoramento, prazos de avaliação e proteção à saúde mental virou pauta provável.

No médio prazo, o setor financeiro deve acelerar a migração do controle de jornada para modelos por entrega, com KPIs específicos por equipe. Também tende a investir mais em ergonomia digital (ferramentas que atrapalham menos o fluxo de trabalho) e em comunicação transparente sobre critérios de performance. O trabalho remoto não acabou; só ficou mais exigente para os dois lados.

O episódio do Itaú se soma a um movimento global de ajuste do home office após a fase de euforia da pandemia. As empresas aprenderam que medir presença é fácil; medir valor entregue dá trabalho. A linha entre gestão e vigilância está no detalhe: propósito claro, dado mínimo necessário, feedback humano e, quando for o caso, negociação coletiva antes de decisões que afetem milhares.

Enquanto isso, as histórias individuais seguem. Para alguns, a demissão vira oportunidade de recolocação em empresas com metas mais objetivas. Para outros, é uma disputa jurídica que vai definir limites do monitoramento no Brasil. O caso já é um marco: raro pelo volume, sensível pelo tema e observado de perto por quem lidera times híbridos no país.

0 Comentários

Escreva um comentário