Plano para sabotear a gravidez da rival ao mexer na insulina? É exatamente até onde Fátima (Bella Campos) chega em Vale Tudo. A personagem descobre que Afonso (Humberto Carrão) não é estéril, como Celina (Malu Galli) jurava, e conclui que ele pode ser o pai do bebê que ela espera — e também dos gêmeos de Solange (Alice Wegmann). Tomada por ciúme e ambição, Fátima decide invadir a casa da antiga amiga e adulterar o remédio de que Solange depende para viver. No momento final, treme. Desiste. E volta para casa tentando justificar o injustificável.
A engrenagem começa a girar quando Fátima confronta a mentira de Celina: Afonso não tem problema de fertilidade. A revelação reabre uma disputa silenciosa por poder e dinheiro. Se Solange levar a gestação adiante e os gêmeos forem de Afonso, Fátima enxerga seu lugar na fortuna dos Roitman em risco. E, nessa lógica torta, a rival vira obstáculo a ser removido.
Fátima faz as contas e decide agir. Usa uma chave antiga — lembrança do tempo em que as duas eram próximas — para entrar no apartamento de Solange. Vasculha o banheiro, encontra a caneta de insulina e cogita trocar o conteúdo por água, certa de que a sabotagem colocaria em perigo a vida da mãe e dos bebês. O plano, frio e calculado, escancara uma fronteira ética que a personagem flerta em cruzar.
Antes, ela testa o terreno com o amante, César (Cauã Reymond). Conta o que pretende e ouve um choque raro vindo dele: nem César, com toda a ficha corrida moral da trama, compra a ideia. A reação dele vira espelho do quão grave é o que Fátima está prestes a fazer.
A sequência no apartamento de Solange vem carregada de tensão. O roteiro não economiza detalhes da hesitação: a mão que treme, a respiração curta, o silêncio da casa que amplifica a culpa. Na beira do abismo, Fátima recua. Ao encarar César depois, tenta racionalizar: diz que sentiu pena dos bebês. Mas o subtexto é outro — o medo de ser descoberta, de responder por crime, de ver o castelo desmoronar.
A ideia que Fátima quase executa não é só imoral; é perigosa de verdade. Interromper ou adulterar o tratamento com insulina em quem depende dele provoca descontrole grave da glicemia. Em gestantes, o risco é ainda maior: há chance de cetoacidose, internação, sequelas e perda fetal. Profissionais de saúde são categóricos ao dizer que mexer em medicamento de outra pessoa, além de antiético, é potencialmente letal.
No mundo real, uma sabotagem desse tipo poderia render cadeia. O Código Penal brasileiro trata a adulteração de produto destinado a fins terapêuticos como crime grave, e a Justiça pode enquadrar a conduta como tentativa de homicídio quando há intenção de causar a morte. A ficção de Vale Tudo aciona essas camadas, e é por isso que a cena pesa: não é só trama de novela; é um gesto com consequências criminais muito concretas.
Do ponto de vista dramático, a sequência reforça a essência da novela: como a ambição corrói fronteiras. Vale Tudo sempre foi sobre escolhas quando o dinheiro entra na sala. Fátima é o retrato desse dilema levado ao extremo — disposta a tudo para blindar o casamento com Afonso e manter o passaporte para o sobrenome Roitman. O detalhe que a derruba, por enquanto, é o medo. E, ao contrário do remorso, o medo não resolve a culpa; só a adia.
Há outra camada que a novela costura com cuidado: a exposição de uma condição crônica como a diabetes sem cair no sensacionalismo. Ao mostrar a dependência de Solange do remédio e os riscos do descontrole glicêmico, a trama dá dimensão real ao perigo e evita que a crueldade de Fátima pareça apenas uma travessura de vilã. É uma ameaça à vida — e o público sente isso.
Para onde a história aponta depois do recuo? O segredo raramente morre na gaveta em novelas, e o gesto de Fátima, ainda que interrompido, deixa rastros. O apartamento invadido, a rotina de Solange alterada, a tensão entre Fátima e César — tudo vira ruído que pode explodir em capítulos seguintes. E há o fio central: a paternidade. Se Afonso pressionar por respostas, o terreno da mentira de Celina pode ceder de vez.
O arco ainda reposiciona César na narrativa. Ele sabe demais. O choque inicial não significa que abandonará a chance de usar essa informação. Em novelas, segredo é moeda. E César, com faro para vantagem, tende a transformar moral em barganha quando convém.
As cenas também reacendem a disputa por legado. A herança Roitman não é só dinheiro; é status, poder e acesso. Para Fátima, o sobrenome resolve o futuro. Para Solange, a gestação traz a complexidade de uma maternidade sob vigilância — emocional, médica e, agora, sob ameaça. No meio, Afonso precisa encarar a própria responsabilidade afetiva e legal.
Sem prometer atalhos, a novela deixa perguntas no ar:
O que já dá para cravar é que o episódio marca um ponto de virada. Fátima testou o limite, viu o precipício e, por ora, recuou. Mas quem chega tão perto assim raramente retorna igual. A culpa muda o olhar, o sono e as estratégias. E, quando a ambição continua lá, só um empurrãozinho da trama costuma bastar para que a personagem atravesse a linha que jurou não cruzar.
0 Comentários